Ana Lúcia Hennemann[1]
“[...] quanto mais ele contempla, menos vive; quanto mais aceita
reconhece-se nas imagens dominantes da necessidade, menos ele compreende a sua
própria existência e o seu próprio desejo.” Guy Debort
Já aconteceu com você estar passando por algum local e de repente uma ou duas pessoas começam a olhar para algum ponto no céu e sem perceber você imita o gesto? É algo instintivo. Há um vídeo no youtube intitulado “Face the
Rear” que retrata o seguinte cenário: alguém entra no elevador e em seguida
2 ou 3 atores entram e se posicionam de costas, inicialmente a pessoa olha com
indignação, mas aos poucos o indivíduo vai virando e fica na mesma posição que
os demais.
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Imagem: Revista MeuCérebro/ Fev_2015 |
Já imaginou se alguém ou um grupo
se utilizasse de todo esse conhecimento para uma grande massa social?
Induzissem pessoas a imitarem outras? Chorar quando outras chorassem, rir
quando elas rissem, ficar indignado se elas passassem por situações de
injustiça, enfim se preocuparem com a vida alheia e esquecer suas próprias
vidas? Pois bem, isso aconteceu há muito tempo em Roma e ficou conhecida como a
política do “Pão e Circo”.
O povo trabalhava demais para sustentar o luxo
de poucos; a comida escassa, mas recebiam trigo gratuitamente, então satisfazia
as necessidades básicas; haviam livros, entretanto apenas alguns dominavam a
arte da leitura. Os mais ousados começaram a criticar a forma de governo e
perguntar sobre o valor dos impostos arrecadados; os reis, governantes da época
perceberam a desmotivação e entenderam que precisavam agir, não poderiam abdicar
de todo aquele luxo para satisfazer as vontades alheias.
Naquele tempo não se entendia
nada sobre cérebros humanos, de como se processava os pensamentos, de
neurônios-espelho, rapport, empatia, projeção, mas era necessário modificar o
padrão de pensamento, as conexões neurais daqueles indivíduos, caso contrário a
insatisfação iria tomar conta de seus corpos e como eram muitos poderiam acabar
com o privilégio da minoria.
Os governantes reuniram-se e logo
concluíram que o povo precisava de entretenimento, algo com o que se
identificassem, sofredores, guerreiros em busca de vitória, liberdade, desejo
de vencer a todo custo. Mas não eram todos que venceriam, somente alguns,
aqueles que conquistassem a admiração de todos e mostrassem garra para esta
conquista...e foi assim que corpos esculpidos apareceram em plateias de 50.000
mil a 90.000 mil espectadores. Em troca da tão sonhada liberdade, presentes
caros, fama e glória, os gladiadores submetiam-se às exposições vis e banhadas
de sangue e suor. E o povo ali, apenas dando uma espiadinha, rindo,
divertindo-se em família, achando graça do infortúnio alheio. Projetando seus
sonhos, suas necessidades, esquecendo suas angústias.
Aos poucos, o sentimento de
descontentamento era trocado pelo desejo de ver quem sairia vitorioso na
próxima batalha, quem seria derrotado pelos demais, alguns criticavam toda essa
artimanha, mas eles já não tinham voz, pois o povo em geral estava feliz. Mas lógico, isso tudo ocorreu num século onde as
pessoas da época não tinham os recursos e conhecimentos que temos na atualidade
para entender todo o entorno que se passa por trás dos bastidores.
No século XXI, o cenário modificou, mas as estratégias usadas no
primeiro século continuam as mesmas: “Pão e circo” ativando os
neurônios-espelho! Dentro do nosso cérebro temos regiões especificas que quando
ativadas faz com que sentimos emoções e sentimentos de outros como se fossem
nossos. É o sentir com o outro e como o outro. Estas células especializadas nos
fazem perceber expressões, sentimentos e antever reações de outros indivíduos. Conforme
o neurocientista Rizzolatti: "Os
neurônios-espelho nos permitem captar a mente dos outros não por meio do
raciocínio conceitual, mas pela simulação direta. Sentindo e não
pensando."
Assim como na Roma antiga,
milhares de pessoas sentiam simpatia e desprezo pelos gladiadores, hoje temos
de forma mais mascarada o mesmo espetáculo, os famosos reality shows. Mesmo que for para dar a famosa espiadinha, o fato é
que muitos se deixam contagiar pelo enredo deste grande circo. Os
neurônios-espelho são ativados e fazem com que o povo comece a vivenciar as
reações de seu “jogador” preferido.
Goleman, no livro Inteligência
Social, menciona que em 1970 uma equipe de pesquisadores de Israel reuniu um
grupo de voluntários para assistir vários clipes de filmes procurando entender
parte dos mecanismos neurais envolvidos entre a tela e o espectador. Exames de
ressonância magnético funcional eram realizados simultaneamente entre todos os
envolvidos e percebeu-se que o cérebro dos espectadores agia como se a história
imaginária estivesse acontecendo com eles, evidenciando assim que o cérebro faz
pouca distinção entre realidade virtual (imaginária) e real. Conforme Goleman
(2011, p.23), “quando o cérebro reage a cenários imaginados da mesma maneira
que reage aos cenários reais, o imaginário tem consequências biológicas.[...]
quanto mais notável e surpreendente o acontecimento, maior a atenção do
cérebro.”
Quando as pessoas estão
aborrecidas e entediadas, tornam-se disfuncionais, começam a perceber fatos que
desagradam todo o sistema à sua volta. Todavia, quando dominadas pelas emoções,
focando a atenção em pequenos grupos, projetam-se ali, nem que seja apenas para
uma “espiadinha”. Séculos se passaram e o homem ainda não dominou a arte de
dominar a si mesmo. isso traz significativas consequências sociais. De agora em
diante é preciso lembrar que “Pão e o Circo” anseiam dissimuladamente pelos
seus neurônios-espelho.
Referências:
GOLEMAN,
Daniel. Inteligência social: o poder
das relações humanas. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.
GUARINELLO,
Norberto. Violência como espetáculo:
http://migre.me/orEaQ
Como fazer a citação deste artigo:
HENNEMANN, Ana L. Pão e circo cativando seus
neurônios-espelho. Novo Hamburgo, 25 fevereiro/ 2017.
Disponível online em: http://neuropsicopedagogianasaladeaula.blogspot.com.br/2017/02/pao-e-circo-cativando-seus-neuronios.html
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